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sábado, 4 de dezembro de 2010

Eu Te Amo

Eu te amo.

Como dizer isso a quem não ouve, não vê e não sente? Como me declarar àquela que me viu nascer, conheceu meu desprezo por ela e, mesmo assim, foi se mostrando aos poucos, dia a dia, ano a ano, conquistando-me sem que eu o percebesse? De repente me peguei admitindo que não a trocaria por nenhuma outra e, por mais longe que eu me encontrasse, sempre a teria em meu coração.

O encanto da Savassi às 5 horas da tarde. Algo diferente no ar que faz a gente se sentir tão bem! A Tamóios, cúmplice de minha euforia quando da primeira vez em que, sozinha, cheguei à DRT. A Afonso Pena, da Rodoviária à Praça do Papa, com toda a sua história e majestade; meu primeiro e meu último emprego. A Alvarenga Peixoto, onde descobri a mim mesma e aprendi a ser mais eu. A Francisco Sales me trouxe a glória e o amor. A Abrahão Caram me mostrou a amizade.

A banana split do Ted´s, os filmes do Metrópole (tão vilmente vendido e demolido que até hoje choro sua morte), o sanduíche do Xodó, a piscina do Minas Tênis Clube... tanta coisa, meu Deus. Quanta saudade!

A Igreja da Floresta e os sermões oposicionistas do padre Benjamim. A Contorno, a Ipiranga, a Pouso Alegre...

Minha história está escrita em cada bairro, em cada rua por que passei, e meu coração é prisioneiro até daquelas por onde nunca andei.

Ela ouve, ela vê, ela sente. Eu te amo, Belo Horizonte.

Você

Tantos amores tive. Meu coração foi de muitos donos, porém nenhum deles reconheceu o que tinha. Tantos sonhos tive. Minha imaginação passou por muitos cenários, porém nenhum deles teve a força para se concretizar. Tantas cicatrizes tenho. Minha alma teve muitas desilusões, porém de nenhuma delas me arrependo.

Conscientemente ou não, de alguns me aproveitei. De todos trago lembranças doces ou agridoces. Existe o momento certo para recordar cada um. Existe o momento eterno de continuar sonhando, pensando em como poderia ter sido diferente, ou criar alguns que nunca existiram.

Livre. Livre é meu coração para seguir sempre te buscando. Sei que ele ainda se entregará mais de uma vez até que, finalmente, encontre alguém que o reconheça precioso. Alguém como você, cujos olhos me enfeitiçam sem sequer notarem o efeito que processam em mim. Você, cujas mãos macias me eletrificam sem sequer sentir o arrepio que seu toque causa. Você, que me olha mas não me vê, que me toca mas não me sente, que me conhece mas não sabe nada de mim.

Você será a lembrança mais doce, a recordação de qualquer momento, o sonho eterno que eu queria diferente. Você será aquele que terei sem nunca ter tido, com quem conversarei sem conversar, que possuirei de corpo ardente sem possuir.

Brilho Dourado

O telefone toca.

As persianas fechadas não oferecem muita resistência à luz, uma vez que sua alvura permite que alguns raios do sol já desperto se aventurem pelo quarto, envolvendo-o numa penumbra morna e aconchegante mas que nunca esteve tão fria. Assim como a mobília leve, de tons alegres, cada objeto tem seu lugar e, se a luz brincar de ir embora, não poderá levar com ela a possibilidade de se achar o que se deseja. Toda essa ordem tem um contraste brutal com o caos que agora reina no espírito. A camisola, cuidadosamente dobrada, desde a manhã anterior guardada sob o travesseiro ainda úmido da mágoa. A cabeça pesada sobre ele, os cabelos em desalinho e as profundas olheiras com vestígios da maquiagem desfeita. As roupas amarrotadas pela noite inquieta e mal dormida. O consolo do sono.

A campanhia volta a tocar sobre a mesinha.

Abro os olhos e, pouco a pouco, tomo consciência do meu corpo, como numa checagem de instrumentos antes da decolagem de um avião. A cabeça dói, os olhos ardem, o nariz úmido pede um lenço e o peito... um alicate daria aperto maior do que o que sinto agora? Estou prestes a sufocar e, num ímpeto inconsciente, respiro fundo, mas a inalação é cortada por um soluço e os olhos marejam novamente. Oh, Deus! Pensei que já não houvesse mais lágrimas. De onde saiu este tanque reserva? O corpo dá sinais da péssima noite mas nada supera a dor do coração tão vilmente açoitado. O que acontece agora? Como enfrentar todo um dia sem o prêmio no final dele? Como sorrir sem a alegria? Como viver sem a vida?

O terceiro toque do telefone já me encontra em plena consciência do abismo sobre o qual pairam meus pés, da solidão que reina à minha volta e da escuridão em que se encontra minha vida. Meus olhos captam um brilho dourado sobre o tapete. Lá passou a noite sem o dedo que lhe acompanhava já há quase um ano. Quando foi mesmo que a joguei ali? Uma lágrima rolou com a lembrança dos segundos de êxtase que tivera há apenas dois dias atrás naquele mesmo tapete que parecia seguir o balanço dos nossos corpos suados.

O telefone insiste e atendo.

Choro. Choro porque o sol entrou no quarto pelo telefone, enchendo minha alma e aquecendo meu corpo. A cabeça torna-se leve, os olhos limpos. O nó se afrouxa em volta do coração, permitindo que o ar circule em cada célula, que a vida, agora restaurada, chegue a cada partícula.

Ainda com o fone ao ouvido, levanto-me e resgato a aliança do tapete, que sofrera tanto quanto eu e que quer voltar para o dedo. Tanto quanto eu.

A Voz do Coração

A infância se foi e, com ela, todos os sonhos de menina. A vida chegou aos poucos, ocupando a mente com responsabilidades e o coração com cicatrizes. Onde foram parar as estórias de emoção e amor, vividas na imaginação? Não há mais tempo para elas. Nos poucos momentos que se tem para respirar, um relâmpago de pensamentos passa tão longe que nem dá para retê-los no consciente. E vem a vontade de parar e sonhar de novo. Mas hoje não dá. Talvez amanhã, ou depois. E os dias tornam-se meses e estes, anos. E alguém dentro de você grita e esperneia e luta contra as amarras de engrenagens e ponteiros que não o deixam sair. Não existem mais sonhos? Existem, só que agora se chamam metas. Minha meta é ter uma casa. Minha meta é ter um carro. Minha meta é dar uma boa escola para meu filho. Os sonhos ainda existem, só que modificados em sua essência. Escrever também seria um sonho? Uma voz pequenininha grita em meu ouvido. Deixar o coração vagar na estrada etérea do passado real e do passado alternativo também seria um sonho? A voz grita e esperneia em meio a neurônios e tecido cardíaco. Criar um irreal com toda a força e a emoção da realidade também seria um sonho? E a voz corre todo meu corpo como se elétron fosse em um túnel de aceleração de partículas até que, com toda a energia gerada por essa corrida louca, explode em mil fagulhas de fantasias vivas; e todos esses anos de reclusão sufocante são derramados em folhas e folhas de passado e presente real e imaginário. A química da criação.

Caça e Caçador

Os cubos de gelo batem em meu copo. O uísque, gelado, amargo. Nem sei porque tomo essa droga! As pessoas conversam em grupos, circulam em duplas. O sofá macio em que me afundo e a música jogando vibrações em meus ouvidos. A gostosa sensação de abandono. O se sentar de qualquer jeito, sem mesuras ou estudos. Apenas confortável. O copo queima meus dedos. Um acorde mais agudo chama minha atenção e começo a voar nas pautas etéreas. Um trago e a fumaça sobe marejando meus olhos. Um trago e a bebida desce rasgando minha garganta. Sinto um arrepio leve, quente, gostoso. Desço das pautas no ar e ergo os olhos no horizonte e, por trás do cristal de um copo, dois olhos negros me fitam. A fumaça entra em meus olhos desavisados e pisco limpando a vista. Sumiu. Terei sonhado? Já não me sinto tão confortável. Reprovação? Incômodo? Caça? Mexo-me em meu trono procurando uma posição mais discreta. Quero passar despercebida. Não quero viver a festa, só observá-la. Arrepio. Bebo a água com uísque, agora menos amargo. Uma nuvem de Stiletto passa por mim numa sombra negra de riscado e blusa branca. Não já terei visto esses olhos? A fumaça do cigarro deixa passar apenas sua silhueta. Aquele acorde agudo desta vez me assusta e o arrepio volta mais quente, queimando. Pessoas dançam no salão, se enlaçam e rodopiam num ritmo não muito lento. No meio de tanta gente, meus olhos se perdem e desviam, passando apertado entre um corpo e outro e mais outro até esbarrarem em dois olhos negros encostados à janela. Lentamente apago o cigarro para que a fumaça não o leve de novo. O arrepio cresce em tremor e posso sentir seu perfume como se não houvesse perfumes, quitutes e cigarros, apenas nós. Sinto a quentura nas faces e olho o copo para esconder o rubor que, sei, está em meu rosto. A pele arrepiada se torna sensível a qualquer vibração. E essa sensibilidade, como um radar, me diz que ele se aproxima. Sinto-o à minha frente. O perfume me envolve. Ergo os olhos e já não há mais festa, nem sons, nem pessoas. Só caça e caçador.

Barrinha

A manta protege o corpo do toque frio da grama orvalhada. As estrelas no alto não estão muito firmes, pois aqui e acolá um risco prateado enfeita o céu. Será que, naquele momento, cortei meu destino? Por quê? Lembro o violão tão bem tocado, entoando canções cujas letras sei de cor. Tu também. Mas eu conheço essa história: bebida, estrelas, frio... e amanhã, nem te ligo. E eu ficaria com raiva e te odiaria. Não queria te odiar. Não a ti. Por isso te neguei meus lábios. Depois te dei outra chance e tu te fizeste de desentendido. Nessa confusão fiquei muitos dias. Querendo sem querer. E a indefinição se tornou insuportável quando os vi trocando olhares. Pensei: ele nada tem comigo, por que me sinto assim? E esse sentimento me levou a pôr tudo em pratos limpos. Eis porquê te chamei naquele dia. E então tu disseste justamente o que eu já sabia e não queria acreditar. E eu vi que todo o tempo eu estava criando uma ilusão, vendo fatos que nunca estiveram lá, sentimentos que nunca existiram. Valeu. Valeu porque não te odeio. Te gosto muito como sempre deveria ter gostado.

Começar de Novo

Como a gente perde as coisas pouco a pouco e, de repente, vê que elas se foram de vez, e lamenta tê-las perdido... Pena que, somente depois de muito tempo é que a gente se convence de como elas eram importantes e, quando quer retomá-las, já não consegue. Não é como andar de bicicleta; precisa treino. Coisas nos são ditas e a gente não entende bem. Só depois de muito bater cabeça é que elas se interiorizam. "Você é muito raciocínio e pouca emoção". Não foi sempre assim, fui me "racionalizando" aos poucos, ao mesmo tempo em que perdia o dom. Agora, "relendo" o passado, constato como era simples. Apenas deixar o coração falar através da mão e da caneta. Tão simples. Às vezes ensaio um pouco, mas, de repente, o raciocínio me assalta as emoções. Tantas coisa que não foram postas pra fora por todo esse tempo... Em parte a culpa foi dele, ridicularizando algo tão "eu". Ele não entende. É outra coisa que me entristece. Como ele pode viver sem se permitir um mínimo de universo paralelo? E ainda querer me privar do meu! Vou agora recomeçar. Tentar, pois é uma luta contra mim mesma, contra tudo em que me tornei em 3 anos.

Solidão

A chuva fina bate à janela numa suave canção. O sofá macio se estende sob o corpo relaxado, esperando. Esperando o telefone tocar, a mão lânguida pegar o aparelho e a voz sonolenta dizer "alô". A resposta do outro lado trazer um soluço à garganta e a vontade de chorar, de desabafar a certeza de não estar só. Que tem alguém que se preocupa, que pensa em você, e que sabe que você já ouviu todos os discos, já viu todos os filmes e que telefonou para perguntar como vai o cachorrinho ou quantas horas são no seu relógio. E então um silêncio em que se pode ouvir a respiração do outro lado, e podemos sentir as mãos se tocando, os olhos se fitando e ver que ele está lá, que se preocupou em lhe telefonar, mesmo que já tenha lhe visto de manhã, como se você tivesse partido há muito tempo. Conversa sobre coisas banais, mas que para nós vale ouro porque a gente fala um com o outro. E aí uma lágrima rolar dos seus olhos e cair nos ombros dele. E ele a secar com um beijo.

Mas a chuva cai e o telefone não toca, e a solidão aumenta porque já se ouviu todos os discos e se viu todos os filmes e o telefone não toca. A chuva cai, e cada gota é uma lágrima que molha o rosto porque não vem nenhum beijo secar, nenhuma palavra doce fazer sorrir, e chora. Chora porque não o viu de manhã e nem há muito tempo. Que dormiu com a noite, que viveu com o sonho e se foi com o dia.

Dedicatória

Quando comecei a trabalhar com diagramação, eu pensei em reunir alguns escritos antigos em uma coletânia e fazer um livro. Quando o computador chegou às artes gráficas, aí mesmo é que eu me animei mais ainda. Só que, os escritos continuaram guardados. Eu elaborei até uma dedicatória que seria usada nesse livro:

"Ao Sonho. Todos nós temos direito a ele.
Às Musas. Sem elas não haveria poesia
À Dor. A Musa maior."

Na verdade, grande parte dos meus escritos eram motivados pelo primeiro, nascido do segundo. Vejam vocês: há 30 anos atrás já existia emo na terra...

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Tratado das Matérias II

Algumas matérias nos são prejudiciais. Precisamos delas, pois somente sabemos se algo é bom quando conhecemos um equivalente ruim.

Não somos obrigados a estudar tudo o que nos é apresentado cronologicamente. É permitido fazer matérias isoladas. Algumas nos interessam em especial e queremos conhecê-las a fundo. No entanto, nem sempre é possível. Há vários obstáculos no caminho daquele que quer se especializar. Um deles é a própria matéria, que tende a ficar complexa à medida que nos aprofundamos. É preciso ser firme em seu propósito. Esse processo necessita dedicação constante, por isso, só é possível o estudo de uma matéria de cada vez.

Outras nos passam como um raio. Matérias curtas que têm pouco a dizer e de cujo valor, às vezes, duvidamos. No entanto ele existe. Tais matérias costumam ser pré-requisito para outras maiores. Você só descobre isso mais tarde. Portanto, é preciso dar valor às pequenas matérias e aprender bem o pouco que trazem.

Existem matérias para distrair, como brinquedos pedagógicos. Mas essas não são constantes; evoluem e deixam de ser brinquedos, embora nunca os tenham sido.

Às vezes cismamos com uma matéria e queremos estudá-la. Isso acontece com as mais adiantadas. Se você estiver pronto para ela, se torna um estudo agradável. Mas se, por outro lado, for cedo demais, você corre o risco de interpretá-la mal e, quando for o tempo de estudá-la, você já terá ideias errôneas pré-concebidas. Portanto, é preciso cuidado no avanço de matérias.

Existem estudos que nos interessam, mas nos são vetados. Isso ocorre quando algumas matérias que cursamos nos prometem o conhecimento ali depositado, pois os apontamentos lhe são familiares. No entanto, com o passar do tempo, percebe-se que o que lhe é ensinado são interpretações do texto original. E interpretações são questões pessoais, e muito se perdeu no processo de distilação. E o que se perdeu por não ser necessário à matéria intermediária pode ser ponto essencial à nossa assimilação.

Há matérias das quais nos aproveitamos. Costumam ficar esquecidas na estante para serem consultadas vez por outra, geralmente quando nada temos para ler. São matérias mal exploradas, mas que insistem em estar lá. Assim como insistimos com certas matérias, algumas o fazem com a gente. Isso ocorre porque sabemos que, uma vez levadas a sério, se tornarão todo o nosso mundo, e nossa fome de saber nos faz fugir delas.

Existem matérias com as quais nos deparamos e que por entre as páginas nunca nos aventuramos. São livros de belíssimas capas e folhas macias. Porém não os estudamos, pois tememos que o que tenham a dizer maculem sua imagem. Essa hipótese não tem confirmação, pois ainda não venci meu medo.

No mundo do estudo há matérias que precisam ser cursadas e que, no entanto, são extremamente perigosas. Nesses casos, é preferível procurar o auxílio de matérias que tenham relacionamento com elas. Geralmente essa auxiliar ou intermediária é mais avançada e, como foi dito anteriormente, é preciso cuidado ao seguir esse curso.

BH - agosto - 1985

Em tempo: venci meu medo de estudar matérias que se apresentam através de lindos livros, e agora posso dizer que, às vezes, elas são sim decepcionantes. Outras vezes não. Cabe a você decidir se vai querer correr esse risco.