Páginas

sábado, 4 de dezembro de 2010

Brilho Dourado

O telefone toca.

As persianas fechadas não oferecem muita resistência à luz, uma vez que sua alvura permite que alguns raios do sol já desperto se aventurem pelo quarto, envolvendo-o numa penumbra morna e aconchegante mas que nunca esteve tão fria. Assim como a mobília leve, de tons alegres, cada objeto tem seu lugar e, se a luz brincar de ir embora, não poderá levar com ela a possibilidade de se achar o que se deseja. Toda essa ordem tem um contraste brutal com o caos que agora reina no espírito. A camisola, cuidadosamente dobrada, desde a manhã anterior guardada sob o travesseiro ainda úmido da mágoa. A cabeça pesada sobre ele, os cabelos em desalinho e as profundas olheiras com vestígios da maquiagem desfeita. As roupas amarrotadas pela noite inquieta e mal dormida. O consolo do sono.

A campanhia volta a tocar sobre a mesinha.

Abro os olhos e, pouco a pouco, tomo consciência do meu corpo, como numa checagem de instrumentos antes da decolagem de um avião. A cabeça dói, os olhos ardem, o nariz úmido pede um lenço e o peito... um alicate daria aperto maior do que o que sinto agora? Estou prestes a sufocar e, num ímpeto inconsciente, respiro fundo, mas a inalação é cortada por um soluço e os olhos marejam novamente. Oh, Deus! Pensei que já não houvesse mais lágrimas. De onde saiu este tanque reserva? O corpo dá sinais da péssima noite mas nada supera a dor do coração tão vilmente açoitado. O que acontece agora? Como enfrentar todo um dia sem o prêmio no final dele? Como sorrir sem a alegria? Como viver sem a vida?

O terceiro toque do telefone já me encontra em plena consciência do abismo sobre o qual pairam meus pés, da solidão que reina à minha volta e da escuridão em que se encontra minha vida. Meus olhos captam um brilho dourado sobre o tapete. Lá passou a noite sem o dedo que lhe acompanhava já há quase um ano. Quando foi mesmo que a joguei ali? Uma lágrima rolou com a lembrança dos segundos de êxtase que tivera há apenas dois dias atrás naquele mesmo tapete que parecia seguir o balanço dos nossos corpos suados.

O telefone insiste e atendo.

Choro. Choro porque o sol entrou no quarto pelo telefone, enchendo minha alma e aquecendo meu corpo. A cabeça torna-se leve, os olhos limpos. O nó se afrouxa em volta do coração, permitindo que o ar circule em cada célula, que a vida, agora restaurada, chegue a cada partícula.

Ainda com o fone ao ouvido, levanto-me e resgato a aliança do tapete, que sofrera tanto quanto eu e que quer voltar para o dedo. Tanto quanto eu.

Nenhum comentário:

Postar um comentário